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segunda-feira, 2 de março de 2015

A religião é o fundamento da democracia e da prosperidade

Por Clayton Christensen

"Fanáticos de religiões ateístas que afirmam que as religiões teístas devem ser varridas do cenário democrático estão tricotando as doutrinas de suas religiões em nosso tecido legal e regulamentar."


Aprendi a importância da religião para a força da democracia e do capitalismo em uma conversa 12 anos atrás com um economista marxista da China que estava próximo ao fim de uma bolsa de estudos em Boston. Perguntei a meu amigo se ele havia aprendido aqui algo que fosse surpreendente e inesperado. Sua resposta foi imediata e, para mim, bastante profunda: "Eu não tinha ideia de quão fundamental a religião é para o capitalismo." Embora Toqueville tenha também observado isso, eu não tinha feito essa associação entre religião, democracia e capitalismo em minha mente. Mas foi como esse pesquisador tivesse chegado aqui de Marte, e isso foi o que ele viu. 


Ele continuou, "Em seu passado, muitos americanos frequentavam a igreja ou a sinagoga a cada semana. Essas eram instituições respeitadas pelo povo. Na igreja, desde tenra idade, os americanos foram ensinados a obedecer voluntariamente a lei, respeitar a propriedade de outros e não roubar. Os americanos foram ensinados a nunca mentir. Seguiam essas regras porque passaram a acreditar que mesmo se a polícia ou o sistema judicial não o pegassem quando eles quebrassem as leis, Deus o faria e eles seriam responsabilizados. A democracia funciona aqui porque a maioria das pessoas, a maior parte do tempo, obedecem voluntariamente as leis.
"Você pode dizer o mesmo do capitalismo," meu amigo continuou, "ele funciona porque os americanos foram ensinados em suas igrejas que deveriam cumprir suas promessas e não contar mentiras. Uma economia avançada não pode avançar se as pessoas não puderem esperar que quando eles assinam um contrato, outras pessoas irão voluntariamente cumprir suas obrigações. O capitalismo funciona porque a maioria das pessoas cumprem suas promessas."

Meu amigo então convidou-me para olhar ao redor do mundo para aqueles países onde, em suas palavras, "Os EUA haviam estralado os dedos e exigido: 'Nós queremos democracia aqui, e queremos agora!'" "A menos que já houvesse um forte fundamento religioso naqueles países," ele afirmou, "a democracia falhou miseravelmente." Há religiões em todos os países, é claro, mas ele deixou claro que as religiões que possibilitam a democracia são aquelas que apoiam a santificação da vida, a igualdade entre as pessoas, a importância de respeitar a propriedade alheia e da honestidade e integridade pessoal.  Essas religiões também devem ser fortes o suficiente para que tenham poder sobre o comportamento da população. As pessoas devem acreditar que mesmo se a polícia e o sistema judicial não o peguem, Deus iria responsabilizá-lo se eles não seguirem as regras. Ele então deu alguns exemplos.

Na Russia, por exemplo, há religiões, mas poucas pessoas são influenciadas por elas. Como um resultado, muitas pessoas evitam os impostos e o governo não pode recolhê-los. Assassinatos, subornos e roubos são parte do cotidiano. Ele notou que a política externa americana tem sido ingênua no Haiti e em nações que foram despedaçadas por semelhantes brutais conflitos civis. "Vocês pensam que porque a democracia funciona para vocês ela irá funcionar em todos os lugares. Ela funciona apenas onde há um forte fundamento religioso." No curso de pesquisar a questão que meu amigo havia colocado, eu me deparei com um elegante resumo do que ele estava tentando me ensinar, escrito pelo Lorde John Fletcher Moulton, o grande jurista inglês, que escreveu que a probabilidade da democracia e do livre mercado florescerem em uma nação é proporcional "ao grau de obediência a regras que não podem ser impostas."

Meu amigo chinês intensificou uma vaga mas incômoda preocupação que eu abrigava que era, se a religião perder sua influência sobre os americanos, o que irá acontecer com nossa democracia? Nossa prosperidade? Estamos vivendo nesse momento. A ética da obediência a regras que não podem ser impostas foi estabelecido por religiões vibrantes, e alguns desses ensinamentos se tornaram parte de nossa cultura. Como resultado, hoje há muitos americanos que não são religiosos mas que obedecem voluntariamente a lei, cumprem os contratos, valorizam a honestidade e a integridade e respeitam os direitos e a propriedade de outros. Isso acontece porque certos ensinamentos religiosos foram incorporados a nossa cultura. Mas a cultura é um forte protetor dos valores que possibilitam a democracia? Não, porque a cultura não possui nenhum mecanismo para tornar os cidadãos responsáveis pela obediência a leis cuja obediência não pode ser imposta.

Aqueles que procuram minimizar o papel que a religião pode desempenhar na arena pública estão cometendo dois sérios enganos por não estarem fazendo as perguntas certas. Primeiro, eles estão procurando minimizar as próprias instituições que nos deram nossas liberdades civis. E segundo, o círculo de debates no discurso judicial sobre a separação entre a igreja e o estado é uma falsa dicotomia.  Se nós as definirmos genericamente como tradições filosóficas, há duas classes de religiões: as religiões teístas e as ateístas. Fanáticos de religiões ateístas que afirmam que as religiões teístas devem ser varridas do cenário democrático estão tricotando as doutrinas de suas religiões em nosso tecido legal e regulamentar. Os adeptos das religiões ateístas e do secularismo não têm sidos rigorosos em fazerem a pergunta certa, e estão, portanto, dando-nos uma resposta que pode vir a tornar-se prejudicial a democracia.

O discernimento de meu amigo chinês me ajudou a ver que a pergunta valiosa é: Uma vez que a democracia é possível apenas quando a maioria das pessoas, a maior parte do tempo, voluntariamente obedecem as leis, em quais instituições nós podemos confiar para incutir esse instinto entre o povo americano?  E como nós podemos fortalecer essas instituições para que elas possam fazer isso melhor?

Quando o instinto de mesmo uma minoria de pessoas na sociedade é o de roubar o que pertence a outros, mentir quando convém a seus propósitos egoístas, sonegar impostos, subornar e ignorar os direitos de outros, então o capitalismo não poderá funcionar também. Basta olhar para nossa crise financeira em 2007-8. Ela não levou muitos financistas, cujo instinto era o de tomar o que pertence a outros e enganar em vez de obedecer às regras, a colocar o capitalismo a muito próximo do colapso?

Quando o grau de desobediência a regras que não podem ser impostas cresce, não apenas a democracia, mas também a prosperidade entra em perigo. Nós valorizamos a democracia porque ela nos dá liberdade de expressão e de imprensa. Mas a democracia sem a obediência quase universal às regras que não podem ser impostas tira de nós também outras liberdades cruciais, a liberdade de querer e a liberdade de estar empregado. Eu novamente pergunto o que acredito ser a questão crucial para os EUA: Uma vez que o capitalismo e a prosperidade que ele traz são possíveis apenas quando a maioria das pessoas, a maior parte do tempo, obedecem voluntariamente as leis, em quais instituições nós podemos confiar para incutir esse instinto entre o povo até que ele chegue em nossas suítes executivas e em Wall Street? E como podemos fortalecer as instituições que ensinam essas coisas para que elas possam fazer isso melhor?Quando uma nação carece dos requisitos fundamentais de obediência generalizada a regras que não podem ser impostas, que forma de governo ela terá? Infelizmente não será a democracia ou o capitalismo. Ela precisará do governo de alguém que possa criar boas leis e, em seguida, exercer o poder necessário para compelir a obediência. Provas vivas desta hipótese cobrem todo o globo. Basta fazer este experimento. Da próxima vez que você estiver em um táxi com um taxista haitiano, pergunte a ele quais coisas estão melhores agora sob a democracia do que estavam sob o governo corrupto dos Duvalier. Eu garanto que cada um deles anseiam pelo dia em que houve um governante com mão de ferro que tinha o instinto e a capacidade de pisar com o calcanhar sob o peito daqueles que não seguiam as regras e forçar seu cumprimento.

Não é coincidência que os países que fizeram a transição da pobreza para a prosperidade nos últimos 50 anos, incluindo Coreia, Chile, Taiwan, Singapura, Portugal e a República Dominicana, todos foram conduzidos por ditadores com um mão de ferro, que tinham o instinto e a capacidade de exercer o poder de forma cruel, em alguns casos, para quebrar os interesses daqueles que haviam lucrado com a corrupção que tinha levado essas nações à pobreza. Nações empobrecidas com governos democráticos semelhantes ao das Filipinas, em contraste, lutam para prosperar porque a imposição de democracia simplesmente democratizou a corrupção ao ponto do capitalismo não funcionar: os investimentos que estimulariam o crescimento econômico simplesmente não podem ser feitos porque não se consegue subornar pessoas suficientes para fazer qualquer coisa acontecer.

Aqueles que supõe que as religiões ateísticas do secularismo são uma melhor estrutura para a liberdade e prosperidade que as religiões teístas que eles estão tentando jogar para escanteio, têm um enorme ônus da prova que eles não tiveram a coragem intelectual para discutir, muito menos para propor soluções viáveis. Quais instituições eles estão propondo estabelecer que tenha poder duradouro para ensinar a próxima geração de americanos a obedecer entusiasticamente a leis que não podem ser impostas?

Tenho procurado ouvir cuidadosamente, ao longo de 12 anos, uma resposta de algum discípulo do ateísmo e do secularismo. Até agora, pelo menos, eles parecem não ter nada a dizer.

Convido você a comentar neste blog mas essas são as regras para participar da discussão: Iremos respeitar uns aos outros. Tentaremos ensinar uns aos outros e aprender uns com os outros. O que significa que vamos avaliar e comentar sobre ideias.


Tradução: João Henrique Pereira

Publicado originalmente em inglês no site: mormonsperspectives.com


Um comentário:

  1. Muito obrigado mesmo por este blog tão especial que criaram e administram. Seus artigos, como este acima, são excelentes e nos ajudam muito a nos mantermos firmes e lúcidos em nosso caminho e filosofia e fé.

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