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sexta-feira, 30 de agosto de 2013

Entrevista com o filósofo Roger Scruton

Escrito por Revista Vila Nova | 12 Julho 2013 


Artigos - Cultura

O que é a “franqueza britânica”? Se não é verdade que todos os britânicos a possuem, é fato que o filósofo inglês Roger Scruton é portador de uma sinceridade sem igual. Um dos pensadores mais famosos da atualidade, Scruton é conhecido na Europa como o “enfant-terrible” da filosofia, defensor de idéias polêmicas mas, na verdade, muito antigas: sua polêmica vêm de serem clássicas.
Roger Scruton é autor de mais de 30 livros de filosofia, dois romances, compositor de duas óperas e já fez documentários para a BBC de Londres. Professor há muitos anos, não há quem saia de suas aulas sem algum espanto pela sua erudição, que caminha tranqüila dos primórdios da filosofia até os dias atuais.
Scruton é sempre convidado para as principais rodas de debate intelectual na Europa e no mundo inteiro. Uma palavra autorizada se se quer ouvir algo diferente.
Foi também convidado pela Revista Vila Nova para uma entrevista, que ele gentilmente concedeu. O resultado vem a seguir.

Você é filósofo e um dos seus principais objetos de estudo é a Estética. De onde surgiu esse desejo de se questionar sobre a Beleza?
Eu descobri a arte, a música e a literatura quando era adolescente e fiquei intrigado com seu poder e seus significados. Por que elas têm um efeito tão profundo e transformador em nós e o que elas dizem sobre o mundo em que vivemos?

Qual o lugar da Beleza em nossas vidas?
Cabe a você decidir o lugar que a beleza pode ter em sua vida. Ultimamente, entretanto, a beleza abre um caminho à reconciliação, à aceitação do mundo como um lar e ao reconhecimento de que pertencemos a ele, com a tarefa de cuidar do que vamos encontrar.

Em seu documentário para a BBC de Londres, “Why Beauty Matters?” (“Por que a Beleza importa?”), você cita Oscar Wilde: “Toda beleza é absolutamente inútil”. Qual o sentido da inutilidade da Beleza? Os homens precisam de “valores inúteis”?
Todas as coisas mais importantes da vida são inúteis: amor, amizade, devoção, paz – essas são coisas que apreciamos pelo que são e não pelo uso que podemos fazer delas. Sim, nós precisamos de coisas inúteis uma vez que precisamos aprender como encontrar valores intrínsecos. E então o mundo tem um significado para nós e não apenas uma utilidade.

De certa forma, esse culto da utilidade também atingiu a Filosofia e a Religião, não?
Sim, o culto à utilidade assola o nosso mundo, minando até mesmo as coisas contra as quais as pessoas têm tentado erguer barreiras. Parte do problema é o domínio da tecnologia que nos influencia a pensar que todo o conhecimento e todas as descobertas dizem respeito a modos de manipular o mundo e o moldar a nossos propósitos. Mas há também o contemplar o mundo, encontrar nossa paz e consolo nele.

Você fala que a arquitetura moderna foi o maior crime já consumado contra a Beleza. Por quê?
Eu acho que você só tem que usar seus olhos para ver o que quero dizer. É um estilo de arquitetura que surgiu colocando a função, a utilidade e os efeitos de curto prazo no lugar do povoamento, da permanência e da moradia. A arquitetura moderna é um tipo de “falta de lar”, uma profanação à morada humana.

Sobrará algo de valor da arquitetura e da arte moderna?
Sim. Existe boa arquitetura moderna também – as casas de Frank Lloyd Wright, a capela de Ronchamp e muitos outros exemplos. Mas estão em uma escala pequena, quase objetos artesanais que retornam à verdadeira meta da arquitetura, que não é se destacar, obliterar e colocar o mundo em uma grade de linhas horizontais, mas adequar-se, harmonizar-se para tratar a Terra e seus contornos como um lugar de moradia.
Do mesmo modo, existe boa arte moderna e esta ainda está sendo produzida por esses pintores figurativos que reconhecem a necessidade de mostrar o significado interior de nosso mundo.

Uma de suas teses em “Why Beauty Matters?” é que a cultura pós-moderna não quer mostrar a realidade; quer se vingar dela. Como se dá isso?
Quando as pessoas são incapazes de encontrar consolação, elas se vingam de si mesmas e do mundo tentando mostrar que a consolação é impossível. Nós projetamos nossas próprias falhas morais no mundo de forma a nos provermos de uma desculpa para ter estas falhas. Assim, quando as pessoas são incapazes de amar, elas descrevem o próprio mundo como “sem amor” e “impossível de ser amado”.

E qual a relação entre Beleza e Amor?
A Beleza é um objeto do Amor e quando as pessoas permitem que o espírito do amor cresça nelas, elas também se abrem para a beleza. Isso é conhecido desde Platão, mas como explicá-lo exatamente e em termos sóbrios e realísticos é uma das grandes missões da filosofia.

Durante muito tempo a arte foi usada como meio de comunicar o Sagrado, mas hoje não mais. Beleza e Religião se comunicam?
O Sagrado e o Belo estão conectados em nossos sentimentos – ambos nos mandam ficar atrás, ser humildes e abandonar nosso desejo inato de poluir e destruir. Eu penso que vários artistas hoje, independentemente de terem ou não crenças religiosas, têm um senso de que o que há de melhor em sua arte é o ato de consagração. Você encontra esse tema nos quartetos de cordas de George Rochber, na arquitetura de Quinlan Terry, nas pinturas de Andrew Wyeth.
Você montava universidades clandestinas na Europa Central em plena época de comunismo soviético. Como foi essa experiência? O que faziam por lá?
Foi uma experiência inspiradora ensinar jovens que queriam aprender, que viram o aprendizado e a verdade conectados e que reconheceram que a verdade pode ser perigosa. Meus colegas e eu fizemos nosso melhor para providenciar uma educação humana e geral, trabalhando secretamente em casas particulares. A história é, entretanto, muito longa e complexa para ser contada rapidamente. Ela já foi escrita por Barbara Day em The Velvet Philosophers (N.E. “Os Filósofos de Veludo”, sem tradução para o Brasil).
Hoje parece que quem queira ter uma verdadeira cultura universitária também precisa ser clandestino. Quem foge do establishment e da “cultura oficial” está fadado ao fracasso nas universidades. Pelo menos aqui no Brasil essa parece ser a realidade. O que você tem a dizer sobre isso?
Você está certo e isso é algo que eu aprendi através do trabalho clandestino no Leste Europeu. Educação real sempre é, em certa medida, subversiva. A posição padrão da humanidade é a conformidade ideológica e a busca da verdade é sempre ameaçadora. Hoje nós vivemos em um mundo com valores socialistas moderados, aceitação acrítica da igualdade e uma suspeita institucionalizada para com o sucesso, a distinção e a alta cultura; este tipo de coisa tomou conta de nossas universidades. Hereges são perseguidos, como sempre foram, e os mesmos têm que trabalhar secretamente ou em algum grau de privacidade. Mas eles também se alegram com isso, pois esta é a prova de que estão certos.
Você escreveu um livro chamado “A Political Philosophy: Arguments for Conservatism” (N.E. “Uma Filosofia Política: Argumentos para o Conservadorismo”, sem tradução para o Brasil). Afinal, quais são os argumentos para o conservadorismo?
Aqui está a minha resposta mais curta: conservadorismo significa encontrar o que você ama e agir para proteger isso. A alternativa é encontrar o que você odeia e tentar destruir. Certamente a primeira alternativa é um modo melhor de viver do que a segunda.
Sobre o Islã e o Ocidente. A relação entre os dois nunca parece ser muita harmoniosa. Por que existe esse “choque”?
O conflito fundamental é entre, de um lado, uma religião que deseja ser também um sistema completo de governo fundada em um Direito sagrado e, do outro, sociedades que, enquanto fundadas em uma revelação religiosa, fazem suas Leis e seu governo para si mesmas. O Islã não pode aceitar a jurisdição secular e não pode tolerar formas de governo que marginalizem a obediência religiosa. Por isso não pode, no fim, aceitar o mundo moderno.
O Papa Bento XVI insistia muito em recuperar as raízes cristãs do Ocidente. Em sua opinião, há lugar para o Cristianismo na nova cultura ocidental?
Claro. A cultura ocidental é uma criação do Cristianismo. Retire o Cristianismo e o que sobra de Dante, Chaucer, Shakespeare, Racine, Victoria, Bach, Titian, Tintoretto…? E isso ainda é verdadeiro hoje. Nossa cultura é fundada na visão central do Cristianismo, que santifica o sofrimento, o dever do perdão, o ideal da caridade e a visão da Virgem Maria, que guiou nossa concepção do sexo.
O que conhece da cultura intelectual e filosófica do Brasil?
Nada, a não ser a música de Villa Lobos e Luiz Bonfá, além do filme Orfeu Negro, que foi feito, entretanto, por um francês. E, é claro, tem também Brasília, aquele ícone internacional da alienação urbana.

Equipe jornalística da Revista Vila Nova.

Não Caia na Rede!

marinaEla foi cabocla no seringal do estado do Acre e hoje é a queridinha dos globalistas (aqueles cuja crença é de que a Velha Ordem que preza pela soberania das nações é um modelo ultrapassado que deve ser substituído por um governo global supranacional). Ela é membro do Inter-american Dialogue, think-thank que conta com um grupo de ex-presidentes das três Américas, além de banqueiros, empresários e outros integrantes da nata social e financeira deste continente. Também faz parte da lista dos Defensores das Metas do Milênio da ONU (Organização das Nações Unidas) – lista essa que também inclui o bilionário empresário Ted Turner, o famoso fundador da CNN. Recebeu também o prêmio “Champions of the Earth” da ONU – um dos maiores prêmios da área. É chamada de “lendária ativista ambiental” pelos ativistas da iniciativa Carta da Terra (1) e por aí vai…
A apresentação de uma fração do currículo internacional de Maria Osmarina Marina Silva Vaz de Lima é para que não nos enganemos. Embora tenha a saúde frágil por conta de uma contaminação por mercúrio na juventude, essa senhora evangélica de 55 anos e aparência frágil possui uma vasta influência entre bilionários e ecologistas mundo afora. Em 2010 emplacou uma candidatura à Presidência da República concorrendo pelo Partido Verde com seu vice sendo o empresário bilionário Guilherme Leal. Obteve quase 20 milhões de votos.
Marina é sem dúvida benquista por vários grupos ambientalistas e globalistas. Para Luis Dufaur, autor de publicações no exterior e do blog “Verde: a cor nova do comunismo” – que denuncia os estratagemas dos movimentos ambientalistas e globalistas -, as origens amazônicas de Marina, sua militância no Partido Revolucionário Comunista (PRC – ala radical que estava sob a égide petista no Acre) e sua luta junto de Chico Mendes e das Comunidades Eclesiais de Base (CEBs) são “atributos” que fazem dela o perfil ideal para ser a imagem “popular” que os ambientalistas e globalistas pretendem projetar.
“Ela encarna bem o figurino imaginado pela Teologia da Libertação que segue a linha de Frei Beto e Dom Casaldáliga, portanto comuno-tribalista e ambientalista. Quer dizer, uma mulher do povo que sofreu pobreza e doenças tropicais, e sai da floresta para contestar a ordem social brasileira acusada de ‘capitalista’ e ‘exploradora’. Esta imagem a meu ver inclui muitos exageros propagandísticos imaginados por marqueteiros”, diz Dufaur.
Aproveitando-se dessa grande influência e poder que lhe foi concedido, Marina Silva já aplaina o terreno para a candidatura em 2014. Com seu novo partido, o “REDE Sustentabilidade”, ela quer, segundo palavras próprias, nada menos que “mudar a cultura política do país”. Marina diz que seu partido não é de esquerda e nem de direita, mas é “à frente”. Além do apoio de Leal, Marina também conta com Maria Alice Setúbal, uma das herdeiras do Itaú.
Mas será que Marina realmente vem com uma proposta diferente? Segundo o economista e mestre em Administração de Empresas pela Fundação Getúlio Vargas (FGV/SP), Nivaldo Cordeiro, “Estamos diante de uma ação típica das esquerdas recomendadas por Lênin. [...] a famosa estratégia das tesouras”.
Essa estratégia das tesouras é uma forma de se referir à metodologia dialética marxista-leninista, cuja metáfora da tesoura fala das duas lâminas que são opostas (como neste caso, a aparente oposição de Marina Silva ao atual establishment político), mas que no final das contas fazem parte do mesmo corpo; e sendo do mesmo corpo, quando essas duas lâminas convergirem — isso acontece fatalmente na política —, deceparão aqueles que estiverem no caminho delas. O termo foi muito usado para se referir à aparente oposição que existe há muito entre os governos russo e chinês (desde os tempos comunistas até hoje).
O filósofo Olavo de Carvalho no artigo “A mão de Stálin está sobre nós” diz que, através da estratégia das tesouras, “a oposição tradicional de direita e esquerda é então substituída pela divisão interna da esquerda, de modo que a completa homogeneização socialista da opinião pública é obtida sem nenhuma ruptura aparente da normalidade. A discussão da esquerda com a própria esquerda, sendo a única que resta, torna-se um simulacro verossímil da competição democrática e é exibida como prova de que tudo está na mais perfeita ordem.” (isso já acontece no Brasil, onde partidos como PT, PSDB, PSB e o futuro partido da Marina dominam completamente as ações políticas, deixando espaço apenas para divergências dentro da própria esquerda ou para partidos governistas como o PMDB).
Outro bom exemplo dessa estratégia das tesouras leninista são as denúncias feitas pelos partidos de extrema esquerda, como se pode ver no site do Partido Socialista dos Trabalhadores Unificados (PSTU), que por meio de uma extensa matéria mostra alguns dos “esqueletos” que Marina tem no armário (ver matéria no link: pstu.org.br/conteudo/rede-de-marina-silva). O site do Partido Comunista do Brasil (PC do B) também não se esquiva de reproduzir ou redigir textos com fortes críticas ao projeto de Marina Silva, como se pode ver nos links: vermelho.org.br/noticia.php?id_noticia=206125&id_secao=1 e vermelho.org.br/editorial.php?id_editorial=1170&id_secao=16.
Apesar das ferrenhas críticas recebidas pela “esquerda da esquerda”, sempre quando indagada sobre os presidentes Lula ou Dilma, aliados do mesmo PC do B, Marina prefere adotar um tom amistoso, demonstrando discordâncias apenas em pontos específicos, como é o caso da política ambiental. Segundo Nivaldo Cordeiro, “a turma da Marina Silva sempre foi PT de coração”. A longa lista de serviços que Marina prestou ao PT desde quando era uma jovem militante no PRC até chegar ao Ministério do Meio Ambiente – cargo que ocupou desde a posse de Lula, em 2003, até 2008 – é algo que ela faz questão de lembrar sempre em suas entrevistas.
Desenvolvimento sustentável e religião
O termo “desenvolvimento sustentável” surgiu pela primeira vez nas discussões da ONU na década de 1980. Ele foi cunhado para condensar um ideal que já havia sido exposto desde a Conferência de Estocolmo em 1972. Junta – a seu modo – as idéias de desenvolvimento econômico e político com a preservação da natureza, com a justificativa de que devemos deixar um “mundo melhor” para as gerações futuras. Deste modo, esse ideal acaba por atuar nas frentes econômica, política, ecológica e cultural. As partes ética e religiosa restantes são cobertas pela anteriormente citada Carta da Terra, que segundo um de seus maiores promotores, Mikhail Gorbachev, aspira a ser nada menos que uma nova versão dos Dez Mandamentos (2).
A culminação do que entendemos por “desenvolvimento sustentável” foi o documento “Agenda 21”, apresentado na Conferência Eco-92, no Rio de Janeiro. Esse documento contém 21 diretrizes elaboradas pela ONU para servirem de “instrumento de planejamento para a construção de sociedades sustentáveis” (ver neste link: http://sustainabledevelopment.un.org/).
A idéia de desenvolvimento sustentável é, basicamente, aplicar leis supranacionais cujo conteúdo é aquilo que a ONU acha que é melhor para o mundo, independentemente do que as populações locais venham a achar. Aqui no Brasil, muito desses ideais supranacionais da “Agenda 21” (que, por conseguinte, são óbvias afrontas à soberania de um país) foram bem encaminhados na gestão de Marina Silva no Ministério do Meio Ambiente.
Mesmo quando não são diretamente aplicadas, essas medidas supranacionais acabam por ter grande influência na legislação, como foi o caso do Código Florestal aprovado em 2012, que levou em conta várias “propostas utópicas e quiméricas da ONU”, nas palavras de Luis Dufaur. Segundo Dufaur, esses documentos “sinalizam os rumos das transformações legais presentes e futuras que o PT e seus amigos ambientalistas promovem no país”.

Notas:
(1) A Carta da Terra é uma declaração de princípios éticos fundamentais cujo intuito é “construir uma sociedade global justa e sustentável para o século XXI”; para isso basta que se dê poder ilimitado a eles.  Tem o endosso de gente do quilate do ex-presidente soviético Mikhail Gorbachev e da ex-Rainha e atual Princesa Beatrix da Holanda.

(2) v. Lee Penn. False Dawn: The United Religions Initiative, globalism, and the quest for a one-world religion. p.16



Publicado no site da revista Vila Nova.

Leonildo Trombela Júnior
é jornalista e tradutor.

sexta-feira, 23 de agosto de 2013

Um conto de dois profetas, por Lee Harris




O texto é uma síntese de como as sociedades onde a moral judaica-cristã predomina tendem a realizar as promessas não cumpridas de Marx e seus seguidores. Mesmo de posse de alguns preconceitos sobre os mórmons, aos quais se refere com evidente menosprezo, o autor nos faz relembrar a fórmula do Mestre de reconhecer a verdade, "por seus frutos os conhecereis."

Do blog O Estandarte. 




Um Conto de Dois Profetas
Por Lee Harris


"Como é possível que uma religião como o mormonismo tenha sido capaz de resolver problemas que, até o momento, nenhum sistema puramente secular conseguiu?"



Na metade do século dezenove dois profetas barbudos surgiram com apelos universais aos pobres e oprimidos do mundo. Um vivia em Londres, e seu nome era Karl Marx. O outro vivia em Salt Lake City, e seu nome era Brigham Young. Um, Marx, tinha a ciência ao seu lado. O outro, o Livro de Mórmon. Marx argumentava que havia determinado as leis férreas que governavam os movimentos da história, e disse aos pobres e aos oprimidos, “organizem partidos socialistas, e tentem derrubar o sistema capitalista.” Brigham Young dizia aos imigrantes esfarrapados que apareciam à sua porta em Salt Lake City, ao fim de uma desgastante e perigosa jornada através das Montanhas Rochosas e das Grandes Planícies, “vão primeiro plantar hortaliças. Aprendam a alimentar a si mesmos com o suor de seus rostos.”

Dos dois homens, Marx teve de longe o maior número de seguidores. O Manifesto do Partido Comunista, afinal de contas, é uma obra muito mais atraente e arrebatadora do que o bizarro texto transcrito por Joseph Smith sob a orientação do anjo Morôni. No entanto, qual profecia mostrou-se mais bem-sucedida? Visite a Rússia para ver o que os seguidores de Marx alcançaram, e depois cruze meio mundo e visite Salt Lake City.

Como é possível que uma religião como o mormonismo tenha sido capaz de resolver problemas que, até o momento, nenhum sistema puramente secular conseguiu? Como conseguiram os culturalmente atrasados seguidores de Brigham Young florescer e prosperar no deserto, enquanto os mais brilhantes discípulos de Marx acabaram matando dezenas de milhões de seres humanos em nome do progresso? Qual era o segredo do sucesso de Brigham Young?




Brigham Young acreditava que os seres humanos vieram ao mundo para executar pesado trabalho braçal, e que esse era o único caminho certo para a salvação. Marx e seus seguidores acreditavam que os seres humanos vieram ao mundo para usurfruir dele, e sonhavam com um futuro em que a Humanidade finalmente se libertaria da maldição de Adão – a necessidade cruel de ganhar o pão com o suor do próprio rosto. Máquinas fariam o trabalho por nós; a tecnologia nos libertaria para que devotássemos nosso tempo a buscar fins mais elevados. O trabalho braçal se tornaria uma coisa do passado – como é hoje para tantos americanos modernos, ou pelo menos para os que receberam educação superior; e o mesmo não é menos verdade para as elites educadas ao redor do mundo que ocupam posições de poder econômico e influência política que as eximem da necessidade de realizar o sujo trabalho da vida diária.
 
Karl Marx sonhava com um mundo sem trabalho braçal; Brigham Young fez dele um dever religioso, uma honra e quiçá um privilégio. Deus teria nos abençoado, dando-nos algo genuinamente produtivo para fazer, como plantar os alimentos que impediriam que morrêssemos de fome, recolher o lixo dos subúrbios e das cidades, construir casas, cuidar dos jardins, ou cuidar dos doentes.  

Aos olhos de Brigham Young, o trabalho braçal era na realidade a colaboração com o Todo-Poderoso em seu esforço incessante de melhorar o mundo. O mundo, segundo esse ponto de vista, não foi criado perfeito e acabado, como os teólogos letrados tinham em vão tentado argumentar; ao contrário, ele foi deliberadamente deixado em um estado extremamente incompleto. Por quê? Para que o Homem tivesse uma tarefa de real significado para executar; para que ele pudesse tornar-se co-criador do universo.


Tampouco foram os mórmons os únicos a santificar o trabalho pesado. Sua atitude derivava dos ensinamentos de Calvino, que pregava aquilo que Max Weber tornaria famosa como a Ética Protestante do Trabalho – uma ética que emergiu entre os puritanos, quackers, methodistas, shakers e todas as outras comunidades religiosas que glorificavam o trabalho duro e que inevitavelmente acabou tornando os membros desas comunidades tão prósperos que sua riqueza começou a ameaçar o bem-estar de suas almas.
 

A teologia do trabalho duro é radicalmente oposta à teologia do intelectual. O intelectual deseja contemplar o mundo, e entender como ele funciona. O homem que trabalha com suas mãos deseja mudá-lo, moldá-lo em uma forma mais desejável. Nada importa para ele em uma idéia além do que Willian James chamava de “valor-dinheiro” – seu significado na vida diária de pessoas concretas.

A filosofia americana conhecida como pragmatismo pode ser compreendida como um método pelo qual os intelectuais tentam recociliar-se com as religiões de trabalho duro. Ela olha para figuras como Brigham Young e diz, “eu concordo que há muito no mormonismo que é francamente ridículo e absurdo. Mas olhe o que os mórmons foram capazes de fazer. Eles pegaram um deserto e o transformaram em um jardim.”




Visão noturna de Salt Lake City, Utah.

Marx diz, na conclusão do Manifesto do Partido Comunista, “Trabalhadores do mundo uni-vos; vocês não têm nada a perder além de suas correntes; mas têm um mundo a ganhar.”

Afortunada foi a sorte dos trabalhadores do mundo que decidiram unir-se em Salt Lake City, sob a liderança de Brigham Young. Eles não ganharam um mundo; eles fizeram um, tal como os protestantes holandeses construíram seu país drenando o mar. Eles pegaram aquilo que Deus não tinha terminado e completaram para Ele, e para si mesmos.

Quando jovem, Marx argumentava em suas Teses Contra Feuerbach que a filosofia tinha contemplado o mundo por tempo demais, e que o momento para mudá-lo havia chegado. Mas quando os intelectuais tentaram melhorar o mundo sempre acabaram por piorá-lo. Apenas os fanáticos religiosos que foram loucos o suficiente para acreditar que o trabalho duro dos indivíduos era um dever sagrado tiveram sucesso em mudar a condição material da humanidade para melhor.


Lee Harris é autor do livro: “Civilization and Its Enemies: The Next Stage of History”.


Título Original: "A Tale of Two Prophets"

Tradução: Luiz Sim